Ilha

1.  Comecei a fotografar em 1994 quando iniciei um curso de fotografia numa das unidades do SENAC em Fortaleza. Com uma câmera do SENAC que utilizava apenas durante as aulas, fotografava a partir dos exercícios indicados pelo professor. Em 95 comprei a minha primeira câmera, uma ZENIT (não recordo do modelo), na época eu já contava com a minha primeira fonte de renda, uma bolsa de iniciação científica do bacharelado em Matemática da UFC. O que eu fotografava era principalmente retratos, de minha sobrinha Erika ou  de minha amiga Diana que posavam para mim quando dirigidas a partir da minha inspiração em fotos de revistas. Já morando no Rio de Janeiro, em 2009 comprei meu primeiro lote de slides fotográficos. Um acervo organizado, em envelopes plásticos do tipo Print File, de um fotógrafo que assina com o nome de iniciais A.B., com belas imagens do campo, retratos e paisagens bem fotografadas do interior no Sul do Brasil. Eu estava na Feira de Antiguidades da Praça XV, um lugar que frequentava aos sábados como uma saída fotográfica com  minha amiga AnaCris.   Desde então, me tornei um colecionador-acumulador de diapositivos e negativos fotográficos, além de equipamentos com câmeras e projetores de slides.   Comprados em feiras de antiguidades ou mercados de pulgas, principalmente nos shoppings-chão que se espalham pelo Centro do Rio, ou achados no lixo das ruas, essa coleção-acúmulo pouco a pouco foi incorporando fotografias em papel, principalmente em álbuns de formatura e de casamento.  Acumular estas imagens de outras pessoas faz parte do meu processo, mas é no ato de ver e rever estes arquivos fotográficos que uma outra  história começa se erguer na medida em que outras figuras se descortinam. Desprovido de afeto e memórias, a medida que visito este material surgem outras personagens na  periferia destas imagens. Assim como as dissidências sempre estiveram presentes  na sociedade cisheteronormativa patriarcapitalista, estes seres ectoplasmáticos se materializam e passam a  invocar visibilidade. Descobrir essas imagens é o meu fetiche de sujeito oculto e invisível na lida a fim de  suportar o passado traumático de uma crianca viada que eu fui, acolhida cada vez mais no adulto que me tornei. Não apenas a minha criança viada foi acolhida, com ela veio a criança viada do meu marido, dos  amigos, das fotografias que coleciono, dos livros que reli e dos filmes que revi. Estas fotografias dos outros que chegam as minhas mãos continuam em processo de revelação. São retratos de pessoas desconhecidas  mas que minha memória insiste em me contar alguma estória sobre elas ou sobre outres sujeites que externalizam-se ao largo delas. A memória é uma ilha de edição que se atualiza e se concretiza a cada instante de existência e resistência.

2. TODA FOTOGRAFIA É UMA ILHA ou TODA ILHA É UMA IMAGEM À DISTÂNCIA e navegar é preciso. A ilha do dia anterior,  o passado  a vista, que não há como desaparecer. 


O passado destas imagens navega lentamente, a deriva, primeiro como imagem, depois como história, fabulação, incorporação. As fotografias incorporam.

3. Imagine algo flutuando. Você  está num barco a deriva e avista algo ao longe, distante, sem forma definida. Seria uma baleia imóvel? Algo  se aproxima através do movimento incessante das águas e que em cada remada dada em sua direção, mais impossível fica de alcançá-lo.  Este objeto é o retrato de dois homens recostados a um carro. Este objeto é a fotografia de uma família num passeio de domingo. Este objeto é uma foto desfocada que vai ganhando forma a medida que você olha e continua a olhar para ela. Este objeto é  a imagem  de uma ilha que a cada ínfimo marulho se transfaz numa série de histórias revividas em contato com as suas lembranças. E outras imagens vão se juntando a esta. Amontoadas  neste vasto oceano, elas estão por aí, ora visíveis ora invisíveis, "pois nenhuma fotografia permite decifrar o que se esconde no arquipélago de sombras em que está submersa." Mas não há o que desvendar, tudo está ali, o que há dentro e o que existe lá fora. Olhe e verás.

4. Não há somente violência, há saudade. Há poesia como forma de presença. 

Série A. O grande passeio







2. jogar fora as memórias esquecidas no fundo de uma gaveta é  apenas uma forma de abrir espaço  para que novas memórias sejam esquecidas nela?  Quais os parâmetros para se selecionar o que deve ser memorável?


Série B. Das vezes em que estivemos sozinhos. 






3. Eram os deuses astronautas, e Erram os deuses humanos


pés descalços, sentindo a terra remoída pela chuva e pela máquina. O rastro, tal como um carimbo das suas enormes patas mecânicas, percorre e corre.

4. das margaridas no jardim no dia em que partimos.





5. A Ilha da Fantasia, onde qualquer desejo pode ser realizado: Cheguei à ilha ao amanhecer - uma ilha como outra qualquer? - praia deserta, coqueiros, com um lindo azul por trás verde. Tudo como um misterioso penetrável de sensações. O som da mata, a floresta nativa, o barulho do que existe dentro e fora. A visão de algo que  apenas conheço quando estou em sonho. Mistério e medo. Adentro neste lugar? Onde estou? Onde está a ilha? Daí, eu penso nas ilhas da minha infância, ilhas de fantasias, seus piratas, os tesouros e romances. Cheguei nesta ilha a nado, naufrago. Quem além de mim vivia fora dela? Quem aqui chegou antes de mim?

6. Talvez eu não conte uma história com começo, meio e fim, ou quem sabe, talvez  apenas cite pequenos trechos dessa tal história. Mas todas estas imagens trazem um pequeno gesto preso à ilha do dia anterior. "Breve história de um gesto. Uma jovem acena, do portal do seu jardim, para o rapaz que acaba de deixá-la em casa. Um instante em que, sem pensar, ela vira e levanta o braço, com leveza e graça, como se lançasse para o céu um balão colorido. Esse instate é maravilhoso." Ecoa na minha cabeça e repito este trecho: Esse instante é maravilhoso. Esse instante é maravilhoso. "Todo o (des)encanto da situação revela-se numa fração de segundo." 




5.  "a memória da fotografia revela a terceira realidade, aquela que se apresenta como um quebra-cabeça que deve ser montado pelo investigador." 

6. (19/01/2025) 

não costumo criar metas de ano novo, mas tenho imaginado algumas. Não comprar roupas, fazer um detox de álcool, me desligar das muitas redes sociais e não acrescentar novos itens a minha coleção de objetos fotográficos. Porém eu falho, me traio. 

A ansiedade é bicho doido, autoarmadilha que colocamos a nossa frente antes de darmos o passo seguinte.

Ontem estive na Feira de antiguidades da Praça XV a pedido de um amigo, para retirar uma peça que ele já havia negociado pela internet com os feirantes. Peguei o porta-canetas do Julio e um par de arandelas de cerâmica rosa que vão ficar perfeitos no meu banheiro de visitas. Não contente, mas com a desculpa de procurar um presente para uma amiga, me deparo inesperadamente com uma montanha de slides, caixas e mais caixas de slides, aparentente de uma mesma origem